Na semana passada fomos visitar um orfanato nos arredores de Maputo. Um orfanato com meninos como tantos outros, alguns doentes, outros com deformações físicas causadas, na sua grande maioria pela ausência de uma assistência médica competente ou até mesmo pela ausência de meios e recursos adequados. Uma grande parte das crianças que temos no CRPS também sofreu deste problema. Muitas delas não foram devidamente tratadas e, ou porque o parto foi demasiado prolongado, ou porque tiveram malária ou meningite e não tiveram tratamento imediato, ou até pela conhecida doença “icterícia”, que em Portugal é facilmente diagnosticada e tratada, aqui deixa sequelas indeléveis nas crianças, impedindo-as de prosseguirem com uma vida saudável e independente.
Ao chegarmos ao orfanato, ficámos admiradas com exterior, mas esta impressão depressa se desvaneceu assim que ultrapassámos o portão da frente. Ali mesmo ao lado corriam descalças na terra, algumas crianças com roupas esfarrapadas e imundas de tanto se rolarem no chão de terra negra. Até aqui tudo mais ou menos normal, até porque como diz a tal publicidade… é bom sujar-se!
Ao fundo avistamos um edifício escuro e enquanto nos aproximamos avistamos uma esteira com algumas crianças deitadas à sombra (provavelmente a dormir a cesta, pensámos). Continuamos a caminhar e a cada passo, os pormenores vão-se tornando mais perceptíveis e ganhando cada vez mais peso. À nossa volta correm crianças descalças e de fato roto em gritos estridentes. Nota-se que já estão bem habituadas a este ambiente. Mais à frente, um grupo de adolescentes jogam basebol muito compenetradas, certamente uma herança deixada por algum voluntário americano…
Parámos finalmente junto ao edifício e ao lado vimos o que já muitas vezes havíamos visto na televisão, mas que nunca nos tinha sobressaltado o coração de uma forma tão violenta, de tal forma que quase não conseguíamos respirar! Estavam deitadas na esteira três crianças e uma menina com cerca de 20 anos ou mais, todas elas com deficiências muito profundas. Quase não se conseguiam mexer devido às suas patologias e estavam com uma imensa falta de higiene e por este motivo, dezenas (não seriam centenas???) de moscas rodeavam-lhes os olhos, a boca e as roupas ensopadas em transpiração. Assim que nos aproximámos a senhora que estaria encarregada de cuidar deles enxotou as moscas, o que realçou ainda mais a dureza desta realidade em que vivem as crianças e o tamanho do seu sofrimento incessante e após este movimento misericordioso, permaneceu na sua letargia exasperante.
O responsável pelo orfanato recebeu-nos e foi-nos contando avidamente as histórias de cada criança, cada adolescente e até de cada adulto que passava, e notava-se verdadeiramente que este era o seu carisma e a sua vocação, mas uma formiga, por mais trabalhadora e bem intencionada que seja, não pode mudar o que está instituído há anos e a boa vontade aqui vale muito pouco quando a corrupção é a todos os níveis, e mesmo que se lhe tente fazer frente, é uma tarefa hercúlea com que muitos religiosos se debatem diariamente. Ou porque os funcionários não trabalham, ou porque maltratam as crianças e os negligenciam, ou até mesmo porque os bens que deveriam chegar para todos nunca chegam ao destino final, que são as crianças. Mas como mudar esta situação? Seria preciso estar de vigia junto a cada funcionário para nos certificarmos que as crianças receberiam realmente a alimentação de uma forma digna, com qualidade, ou pelo menos quantidade suficiente, mas muitas vezes só porque uma criança doente não consegue alimentar-se com a rapidez que lhe é exigida, é-lhe retirado o prato com a desculpa de que não quer comer… e este é só um dos exemplos com que nos deparamos nestes locais e que vai contribuindo gradualmente para a má nutrição das crianças, o seu aspecto descuidado, o enfraquecimento do seu sistema imunitário, e a sua morte iminente.
É necessário que se mudem as mentalidades, mas isso demora tanto tempo……. e entretanto estas crianças continuam a sofrer!
Algumas crianças, não do orfanato, mas que encontramos frequentemente por aí.